Sumário (fragmento):
I - [...]
II - Por força do disposto no artigo 8.º da CRP as normas constantes de convenções internacionais validamente celebradas e regularmente ratificadas e aprovadas vigoram na ordem interna logo que publicadas, constituindo fonte imediata de direitos e obrigações para os seus destinatários. Daí a força jurídica da Convenção para evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre o rendimento que Portugal e a Bélgica assinaram em 16/07/69 e que entrou em vigor em 19/12/71.
III - Com os tratados bilaterais fiscais não devem confundir-se as convenção-tipo, que se limitam a traçar um modelo que as partes deverão seguir, como é o caso do Modelo de Convenção elaborado pela OCDE para os impostos sobre o rendimento, que serve de minuta às convenções bilaterais celebradas pelos Estados-Membros dessa organização e onde estes podem consignar, nos respectivos Comentários, as suas divergências quer quanto ao texto dos preceitos do Modelo (“reservas”), quer quanto à posição interpretativa da OCDE sobre tais preceitos (“observações”).
IV - A versão originária desse Modelo de Convenção, elaborado em 1963, não continha Comentários sobre a qualificação e tributação dos rendimentos provenientes de software, inexistindo, assim, quaisquer “observações” ou “reservas” no que toca a essa matéria, e a definição de royalties contida no seu artigo 12.º não era susceptível de englobar o software, por este não representar uma obra literária, artística ou científica, nem lhe ser dada, na altura, equiparação legal a essas obras.
V - Pelo que do teor do artigo 12.º da CDT/Portugal-Bélgica, que reproduz o texto do artigo 12º da versão originária do Modelo de Convenção, repetindo a definição de royalties nele contida, não pode retirar-se qualquer elemento indiciador de que englobe ou pretenda englobar os rendimentos provenientes de transacções que envolvam software.
VI - A problemática da tributação do software só veio a ser abordada na revisão do Modelo de Convençãooperada em 1992, o que levou à introdução de novos Comentários ao artigo 12.º, segundo os quais a remuneração pela cedência de direitos sobre software reveste a natureza de rendimentos da actividade comercial quando ocorra a transferência total da propriedade do software ou quando, ocorrendo uma transferência parcial, se pretenda permitir ao utilizador servir-se (pessoal ou comercialmente) do programa, só tendo, assim, a natureza de royalties a remuneração pela transferência parcial de direitos com o fim de desenvolvimento ou exploração comercial do programa.
VII - O Estado Português não formulou qualquer “observação” a esse Comentário, conformando-se com essa interpretação veiculada pela OCDE para o artigo 12.º, deixando apenas formulada uma “reserva” no sentido de se reservar “o direito de tratar e tributar como royalties os rendimentos a título de software que não sejam obtidos da transferência total de direitos relativos a software”.
VIII - Tendo esta “reserva” sido formulada em 1992, e visto que, por natureza, as “reservas” só podem produzir efeitos jurídicos se forem efectivamente concretizadas nas Convenções que vierem a ser celebradas, não se podendo sobrepor às concretas condições bilaterais convencionadas entre os Estados se o respectivo conteúdo não constar do seu texto, ela não pode produzir efeitos jurídicos relativamente à CDT/Portugal-Bélgica assinada em 1969.
IX - Mesmo que se considerasse que o direito interno português já permitia, na data da distribuição dos rendimentos em questão, qualificar o software como “obra literária, artística ou científica” face à protecção que o legislador português veio a conceder aos programas de computador através do Decreto Lei n.º 252/94, de 20 de Outubro, atribuindo-lhes “protecção análoga” às obras literárias, o certo é que perante o contrato em questão se conclui que ocorreu uma transferência parcial de direitos pela cedência de utilização de software para uso interno da Recorrente (e não para desenvolvimento ou exploração comercial do programa), cujos rendimentos não se enquadram no conceito de royalties face à interpretação veiculada pela OCDE nos Comentários ao Modelo de Convenção e com a qual Portugal se conformou.
X - E ainda que se pudesse defender que o conteúdo dessa “reserva” equivale ao conteúdo de uma “observação” ou declaração de discordância de Portugal da posição interpretativa oficial da OCDE sobre o artigo 12.º, nem assim se poderia sufragar o entendimento da sua aplicação às Convenções anteriormente celebradas, uma vez que a “observação” só pode ser oposta aos países que a partilharam e subscreveram, pois só eles ficam vinculados a seu conteúdo.
Wednesday, March 18, 2015
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